O adultério e o divórcio
por Nuno Cardoso Ribeiro
O adultério continua a ser fundamento para muitos divórcios. Alguns especialistas argumentam que o adultério não passa de um sinal de uma relação conjugal que já estava doente e, portanto, o divórcio não tem por real motivo a “traição”, mas sim outras causas e raízes mais profundas. Talvez seja como dizem.
O certo é que muitos clientes traídos e nos questionam se o adultério da mulher ou marido terá reflexos no âmbito do processo de divórcio, seja no que respeita à atribuição da casa de morada de família ou de uma pensão de alimentos, seja no âmbito da regulação das responsabilidades parentais dos filhos. A questão é complexa e só uma apreciação caso a caso poderá determinar a relevância ou irrelevância do adultério. Vejamos.
Atualmente, o sistema legal português prevê um regime de divórcio “objetivo”, em que, independentemente da culpa dos cônjuges, o tribunal se limita a constatar a falência da relação conjugal, pondo-lhe termo com o decretamento do divórcio. Assim, e em princípio, o adultério – ou outra violação de deveres conjugais – será irrelevante para o desfecho do processo de divórcio.
Isto não significa, porém, em nossa opinião, que a violação dos deveres conjugais não possa ser relevante no âmbito das matérias paralelas que são decididas com o divórcio.
Assim, por exemplo, fará sentido que o cônjuge adúltero venha a receber uma pensão de alimentos paga pelo seu cônjuge “traído”? Ou que lhe seja atribuída a casa de morada de família, sendo ela um bem próprio do cônjuge “enganado”?
A resposta a estas questões irá depender de uma análise de cada situação, de cada caso, de cada família. É impossível generalizar. Nuns casos, o adultério será irrelevante; noutros casos, porventura, não.
Uma coisa parece certa, a ninguém poderá ser imposta a obrigação de pagamento de uma pensão de alimentos ao outro cônjuge se tal se revelar inexigível, i.e. se não for razoável impor-lhe tal obrigação à luz de um juízo de equidade e justiça. Dito de outro modo, a traição de um dos cônjuges poderá ser considerada motivo bastante para que um tribunal decida não lhe conceder uma pensão de alimentos a que, doutra forma, poderia ter direito.
E o mesmo se diga relativamente à atribuição da casa de morada de família nos casos em que ela constitui um bem comum ou um bem próprio do cônjuge “traído”: ela só deverá ser atribuída ao cônjuge adúltero se for razoável, à luz dos referidos critérios de equidade e justiça, impor ao outro cônjuge tal obrigação.
Já no que respeita à fixação do regime de exercício das responsabilidades parentais dos filhos, a resposta a dar será outra. Na verdade, o facto de um dos cônjuges ter iniciado uma relação amorosa com um terceiro não releva, em princípio, no âmbito da criação dos filhos. O mesmo é dizer que o adultério não constitui critério de avaliação das capacidades parentais e, por esse motivo, o cônjuge “culpado” não poderá, por isso, ser prejudicado no regime de exercício das responsabilidades parentais.
Refira-se, por fim, que o cônjuge a quem o divórcio cause danos, sejam eles materiais ou morais, poderá intentar uma ação judicial com o propósito de ser indemnizado pelo outro cônjuge e a que já nos referimos noutro artigo.
Assim, e se é verdadeiro que o adultério, e a violação dos deveres conjugais, deixou de ser relevante no âmbito muito restrito do processo de divórcio, tais violações poderão ter relevância em matérias conexas, como a pensão de alimentos e a atribuição da casa de morada de família, e até dar lugar a um pedido de indemnização.
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